sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Visão e Risco

Um dos problemas estruturais da sociedade portuguesa actual é a sua característica dificuldade em ter visão de longo prazo e em assumir riscos.
Esta dificuldade sente-se nas reacções e exigências que são feitas, e reflectidas nos órgãos de comunicação social, sempre que o Governo toma medidas cujos efeitos negativos no curto prazo permitirão inflectir tendências, que causariam danos e, necessariamente, medidas correctivas ainda mais penalizadoras no longo prazo.
Essa mesma situação verifica-se quando os agentes económicos se mostram pouco propensos a assumirem riscos na condução das suas actividades, quer no lançamento de novos produtos, quer na entrada em novos mercados, quer ao nível dos investimentos que se propõem realizar. 
Dizem alguns que é fruto da época dos descobrimentos – os audazes foram os que saíram da pátria em busca de um novo futuro, os que ficaram são os que sentiram receio de dar o próximo passo, ou seja, filhos do ‘Velho do Restelo’.
Países como os Estados Unidos que mais investiram em áreas que não são as típicas prioridades dos povos europeus, como o sector aeroespacial, a aeronáutica ou as tecnologias militares, usufruem de vantagens competitivas em diversos domínios da economia real. Exemplo disso é o sistema americano designado por GPS, hoje de todos conhecido e em utilização massiva, e as dificuldades sempre sentidas no arranque do Galileu - projecto europeu de geo-referenciação.
É normal a Europa responder ou mesmo reagir por efeito arrastamento, e em Portugal nem sequer se vislumbrar acção.
E se Portugal decidisse investir milhões na exploração aeroespacial ?
Cairia decerto o Carmo e a Trindade ! 
Saber ler as tendências do que se passa no mundo globalizado, ser arrojado e ambicioso. Não ter receio de decidir, não ter receio de assumir riscos. Assumir que as decisões nem sempre correm bem. Aprender com os erros, mostrando-os e não os esconder, investir no conhecimento das causas para a ocorrência dos maus resultados, para evitar más opções futuras por simples repetição. Em suma, ‘saber perder, para saber ganhar’ - são atitudes que devemos apoiar e sobretudo valorizar. Só assim garantimos as condições para sermos verdadeiramente desenvolvidos por auto-iniciativa.
Sente-se, actualmente, que algo de novo está em marcha… com impactos no nosso futuro.
O Governo tem apostado em ser a candeia que ao nível das novas tecnologias, nomeadamente as que respeitam o ambiente, iluminando duplamente o caminho que deverá ser percorrido pela iniciativa privada. A concreta indicação, como factor de competitividade presente, mas fundamentalmente futuro, da necessidade de investimento nas tecnologias associadas à produção de energias renováveis – aerogeradores, energia das ondas, energia fotovoltaica, biomassa, é de facto um novo sinal de esperança que a todos deve tocar.
A este apelo, a esta indicação deve ser dado pela sociedade e pela iniciativa privada uma resposta concreta, capaz, e ela própria geradora de novas necessidades e descobertas.
Cabe-nos, sim, a nós, o papel fundamental que é o de sermos capazes de assumir a responsabilidade de contribuirmos para a mudança de comportamentos e de atitudes, e não delegarmos nos outros ou nessa entidade em sentido lato – GOVERNO - porque nos é mais confortável por parecer tão afastado. Valorizarmos pela positiva os erros, não pelo erro em si mesmo, mas pela capacidade em aprendermos e corrigirmos os caminhos com vista aos objectivos ou corrigirmos os objectivos que entretanto se descobre que foram mal delineados. Assumir riscos e decidir, monitorizando o percurso que se inicia, efectuando os ajustes necessários.
É esta a cultura de que o país está sedento, e de que já fomos capazes de ser, outrora quando navegamos primeiramente à vista da costa africana, e depois confiamos nas rotas das estrelas para mostrar ao mundo como ele é uma linda esfera azulada.

In Jornal de Notícias em 22 de Fevereiro de 2008

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Independências

No seio das empresas, comum é, para auxílio das administrações, solicitarem-se pareceres independentes de consultores, na análise de diversos assuntos que respeitam o presente e o futuro. Pretendem esses pedidos, na maioria das vezes, fundamentar a tomada de decisão, quanto a opções a serem tomadas.
No seio do sistema partidário português, faz-se por diversas vezes e muito presentemente a discussão em torno da ligação dos partidos à sociedade, e a opção de alguns partidos (uns mais do que outros) em chamar para junto de si independentes, sejam personalidades com valor, competências e experiência longa e profunda, actividade desenvolvida, que permitam agregar valor às propostas desses partidos na condução do país, ou muito simplesmente na condução de uma autarquia.
Nas empresas a criação interna de competências, centradas na sua actividade ‘core’, é fundamental para uma política efectiva de sustentabilidade.
Nos partidos deve-se persistir e aprofundar a capacidade de atracção para o seu seio de pessoas e de personalidades activas, competentes, experientes, de forma a dotarem-se de capacidades multidisciplinares que lhes permita serem uma opção séria e credível aos olhos da sociedade para assumirem os destinos dos órgãos aos quais se apresentam.
Cuidar que nas empresas o contínuo recurso ao papel dos consultores não seja uma forma de apenas sustentar as opiniões já vincadas, para a consequente tomada de decisão, dessa forma melhor vestida para ser apresentada aos demais ‘stake-holders’ ( diferentes públicos com diferentes interesses na prossecução da actividade ) da empresa.
Evitar que o demasiado esforço na atracção de independentes para próximo dos partidos não seja uma forma de tentar adoçar a imagem dos mesmos, e diminuir a repulsa que os mesmos têm sentido por parte de grandes franjas da sociedade ‘dita’ civil.
O que se passa muitas vezes, não é de facto isto…
Nas empresas o excesso de recurso a consultores para actividades ‘core’, tendem cada vez mais a proteger os decisores da sua própria decisão, e das reacções que delas advenham.
Nos partidos o excesso de recurso a independentes tem o efeito oposto ao pretendido, pois a verdadeira razão de existência desses mesmos partidos deixa de ter sentido aos olhos da sociedade, a sua capacidade de atracção para dentro da militância deixa de existir e de ser trabalhada pelos dirigentes desses mesmos partidos.
Quem é consultado decide,
O independente de qualquer militância dirige,
As empresas tornam-se dependentes dos consultores, e os partidos ficam dependentes dos independentes que atraem.
Esta realidade não é de facto exclusiva do nosso país, é aliás uma importação de práticas do país modelo da ‘Governação’ seja ela empresarial, seja ela política. Mas até nos Estados Unidos algumas dessas premissas há muito entendidas como acertadas ou infalíveis, tem vindo a ser alvo de uma nova e aprofundada reflexão. Quem tem a responsabilidade de decidir deve apoiar-se em evidência e estudos, mas deve acima de tudo assumir os riscos da responsabilidade que aceitou.
Sim à decisão pelos decisores !
Não à dependência dos independentes !

In Jornal de Notícias em 17 de Fevereiro de 2008