Há quem defenda que as eleições do passado 5 de Junho premiaram os partidos de direita, apostando de forma convicta na mudança de governo, e que os resultados também penalizaram os partidos à esquerda do PS. Eu penso de forma diversa, penso que as eleições revelaram que os portugueses penalizaram sobretudo o PS, rejeitando a anterior liderança do PS e principalmente o seu estilo de liderança, que o marcou nos últimos anos.
Não se pode afirmar que foi uma surpresa. Quem o fizer quer suavizar o que aconteceu, não aproveitando para reflectir de forma séria acerca dos resultados eleitorais. Apesar das inúmeras sondagens terem tardado em produzir a antecipação da vitória do PSD, era claro para quem acompanhou a campanha que havia uma forte vontade de mudança dos portugueses e foi evidente que houve falta de mobilização convicta da parte dos socialistas.
Alguns como Mário Soares, Henrique Neto e António Barreto afirmaram e escreveram que era necessário o PS adoptar outra atitude no seio do governo e no seu próprio seio, com vista a haver mais aproximação aos reais problemas dos portugueses, adoptando uma postura mais positiva, que transmitisse esperança aos portugueses e terminando definitivamente com a postura politicamente beligerante que procurava incutir medo da mudança.
Prevaleceu, no entanto, o autismo característico dos que sempre consideraram que qualquer opinião diversa era ‘oposição interna’, e não como uma forma de contribuir para a necessária melhoria da acção governativa que pudesse ajudar a produzir melhores resultados.
O que mais me custa é ter sentido que, principalmente na última fase do anterior governo, o PS se afastou do seu ideário, da sua matriz de valores, posicionando-se longe da sua raiz política de esquerda. Isto foi visível mais pela postura adoptada por alguns, de sobranceria para com os demais, de alguma arrogância política, de autismo extremo e, o mais lamentável, uma postura de quem detém toda a sapiência política. Não houve, em momento algum, o reconhecimento de quaisquer erros, não houve humildade na forma de estar. Não se registou qualquer capacidade de valorização da diversidade, ou o acolhimento de opiniões diferentes.
A liderança política do PS era forte mas rodeou-se apenas dos que nunca discordaram, e sempre concordaram sorrindo, mesmo que por vezes pensando de outro modo, e que colocaram os interesses de curto prazo acima dos interesses gerais e de longo prazo. O poder cegou. A forte liderança política do PS assentou naqueles que foram os batedores de serviço, porque eram os mais aguerridos na defesa intransigente da única verdade oficial, e que nem perderam tempo em debater alternativas, em estabelecer compromissos, pontes, consensos internos para enriquecer a liderança que procuravam belicamente defender, mas que ajudaram a afundar.
Não era preciso ter sido assim, mas infelizmente foi assim.
Por Rui Saraiva, In Semarário Grande Porto - 17 de Junho de 2011