domingo, 23 de setembro de 2012

O Pedro e o Paulo


São os dois a face visível, já muito titubeante, de um governo que se encontra submerso por uma pesada manta de descrédito, muita desconfiança, acrescida de um imparável descontentamento.

Aqueles que deviam ter a responsabilidade de assegurar a estabilidade governativa e de contribuir para a credibilidade externa do nosso país junto das instituições europeias e da opinião pública internacional foram os únicos causadores de uma verdadeira ruptura social.

As novas medidas de austeridade anunciadas pelo primeiro e aceites pelo segundo (apesar de com elas não concordar) sobre as alterações da Taxa Social única (TSU) são tecnicamente erradas, são socialmente injustas e são politicamente insanas, revelando uma insensibilidade social inadmissível, um total desconhecimento da realidade económica e do comportamento dos seus principais agentes económicos, revelando também uma enorme impreparação técnica e uma falta de consciência política inacreditável.

Após o anúncio deste novo garrote fiscal, e do conhecimento que tivemos de que as contas do orçamento deste ano vão derrapar mais do que o previsto, fica a certeza de que algo está a correr mesmo muito mal. Percebemos que a avaliação realizada pelos elementos externos que compõem a Troika não correu nada bem. Ficamos com a consciência, mas sem o conhecimento, de que as metas propostas por este governo para este ano não vão ser atingidas, nem vamos ficar perto de as atingir, apesar de terem obrigado todos os portugueses a percorrerem, desde há mais de um ano, um caminho árduo e agreste. 

Concluímos que as medidas propostas para este ano faliram, e com elas arrastaram empresas e pessoas, causando mais desemprego do que aquele que ocorreria se as medidas fossem outras, com os consequentes aumentos das despesas sociais do estado, provocando o desespero de agentes de muitas actividades económicas como a restauração, motivando também o aumento da fuga aos impostos.

Todos temos o direito de saber o que se está a passar com as contas do nosso país.

Devemos exigir que nos expliquem o que se passa de facto, o que não está a correr bem, e quais as causas para isso estar a acontecer.

Se o não fizerem não nos estarão a respeitar como cidadãos, e deverão tirar as devidas consequências. Não bastará uma simples remodelação de governo, de recalibração das medidas anunciadas, de modelação das soluções já apresentadas, ou de ajustamentos às propostas já negociadas com a Troika.

Há dois mil anos, os apóstolos Pedro e Paulo anunciavam a ‘Boa Nova’, e propalavam palavras de esperança aos povos, incentivando-os a acreditar nas suas palavras e nos princípios e valores que nelas estavam subjacentes, contribuindo dessa forma para a construção de um novo mundo.

Hoje do nosso Pedro e do nosso Paulo as palavras que lhes ouvimos, amedrontam, desesperam, enegrecem a visão sobre o nosso futuro colectivo.

Rui Saraiva
Gestor

Publicado In Semanário Grande Porto - In 21 de Setembro de 2012

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Ceteris Paribus


A expressão “tudo o resto constante” que intitula este texto, é muito usada pelos economistas nas análises que estes realizam ao comparar vários cenários macroeconómicos ou microeconómicos alternativos, usando modelos multivariáveis, e quando nessa análise fazem mudar apenas uma das variáveis sob observação, mantendo todas as demais variáveis constantes, e dessa forma tentar aferir qual a influência que essa mudança induzida tem no resultado final do modelo.

Esta expressão é o chapéu mais indicado que serve na perfeição a cabeça do governo português.

Na elaboração do Orçamento de Estado (OE) para 2012, o Governo português aplicou diversas medidas tendo em vista as necessidades de cumprimento das metas incluídas no Memorando de Entendimento (MoU) assinado com a Troika, no programa de financiamento extraordinário solicitado por Portugal em 2011. O OE2012 incluiu várias medidas numa tentativa de aumento de receita mas que não tiveram em conta, em momento algum, o ajustamento da procura.

Disso são exemplos claríssimos as medidas para aumento da receita fiscal proveniente de impostos indirectos, mais concretamente as que incidiram sobre o aumento de IVA, através da revisão das taxas e das tabelas deste imposto sobre o consumo.

O facto de não se ter previsto no OE2012 uma quebra de consumo, que fosse reflexo do aumento da carga fiscal, como reacção normal dos contribuintes e consumidores, numa tentativa que estes fazem de atenuarem as dificuldades que já sentem diariamente, é muito preocupante.

Como pudemos todos verificar no último relatório conhecido sobre o desempenho orçamental português, a receita fiscal proveniente do IVA, em vez de subir face ao mesmo período do ano anterior, teve o resultado totalmente inverso: caiu.

Este facto revela a falta de preparação técnica e política dos decisores, que colocam num documento de fundamental importância, como é o OE, objectivos e resultados a alcançar que são pura ilusão… mas apenas para os mais distraídos.

Logo que se conheceram publicamente as políticas, os valores e as metas constantes no OE2012, vários intervenientes apareceram publicamente a apontar a dificuldade de serem alcançados os objectivos indicados, por preverem que haveria quer uma quebra de consumo, quer um aumento das tentativas e mecanismos de fuga aos impostos, quer pelo facto de muitos estabelecimentos comerciais poderem fechar portas, nomeadamente restaurantes, por não poderem sustentar os seus negócios com a quebra de consumo associado a uma diminuição de margens comerciais.

Mas a resposta foi a manutenção das previsões e dos planos, sem revisão dos pressupostos e dos resultados esperados. Parece até que o OE2012 foi construído ao contrário, dos resultados pretendidos para as medidas e para as políticas.

O resultado está aí : Portugal vai falhar o cumprimento das metas previstas de déficit orçamental para este ano.

Será que se mudássemos de responsável pelo ministério das finanças e de responsável pelo ministério da economia se manteria tudo o resto constante?

Rui Saraiva
Gestor

Publicado In Semanário Grande Porto - In 31 de Agosto de 2012