sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Destruição Criadora


O nosso país há muito que necessita de uma verdadeira reforma política e administrativa. Esta necessidade é cada vez mais evidente à medida que se conclui que o actual modelo de organização política e administrativa do nosso Estado não está desenhado por forma a proporcionar os melhores resultados, através de uma aplicação eficiente dos recursos humanos e dos recursos financeiros, estes últimos cada vez mais escassos e por isso cada vez mais caros.

A reorganização do país deveria passar por todos os patamares do estado, desde o Estado Central, passando pelas Regiões Administrativas, atravessando as Áreas Metropolitanas, culminando nas autarquias locais, sejam as Câmaras sejam as Juntas de Freguesia.

Esta reorganização deveria iniciar-se pela decisão acerca das competências de cada patamar do edifício do Estado, sobre quais as entidades públicas que devem fazer ‘o quê’, sobre quais os meios (humanos e materiais) necessários para desenvolver essas funções, e sobre qual o custo que cada uma dessas funções do estado representa, construindo-se assim todo um novo edifício do ‘Estado’.

Com este exercício muito prático, chegaríamos decerto a conclusões verdadeiramente surpreendentes, concluindo muito provavelmente que podemos manter todas as funções sociais do nosso Estado, na Saúde, na Educação, e na Segurança Social, funções sociais essas das quais não devemos nunca abdicar, mas que as mesmas podem ser melhor executadas, de uma forma mais próxima e com uma qualidade muito maior no que respeita ao tratamento dos cidadãos. A máquina do Estado tornar-se-ia mais transparente, mais leve, mais amigável dos cidadãos, mais auditável, menos burocrática, e por isso mais barata.

Todos nós, quer na área pública, quer na área privada, devemos estar disponíveis a que se faça mesmo este pequeno/grande exercício, e devemos todos sair das nossas zonas ‘naturais’ de conforto, disponibilizando as nossas forças e os nossos parcos recursos para agirmos de forma diferente do que até hoje fomos capazes. Não devemos enviesar a análise com a descrição detalhada da situação actual, da situação a que todos chegamos, e à qual todos tardamos em caracterizar definitivamente como não mais sustentável, social, económica e financeiramente.

Os cidadãos têm que ser levados a participar nas decisões que devem ser de todos, e devem ser levados a acompanhar muito mais de perto e de forma muito mais interessada e atenta as decisões públicas e políticas com impacto nas suas vidas, quer esse impacto tenha efeitos imediatos, quer esse impacto só se efective num futuro mais ou menos longínquo. Mas para que os cidadãos queiram aumentar a sua participação será necessário que por eles seja percebido que a sua acção e o seu envolvimento é de facto considerado e tem de facto consequências.

Só um novo desenho do nosso Estado, a partir de um papel branco, limpo (mas que infelizmente está hoje erradamente disfarçado por detrás de apenas um exercício de eliminação de um grande número de freguesias) é que poderá fazer com que os cidadãos o sejam na sua plenitude, como membros integrantes de um Estado, que só o é, para a todos bem servir.

Rui Saraiva
Gestor

Publicado In Semanário Grande Porto - In 23 de Novembro de 2012

 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Opressão Orçamental


A Europa vive uma crise económica e financeira profunda e duradoura, que deriva em primeiro lugar e fundamentalmente da falta de entendimento comum dos governos europeus sobre qual a solução global a adoptar por todos, e pela visível falta de uma estratégia económica e financeira consertada e aplicada em simultâneo em toda a Europa.

Não vislumbramos ainda a possibilidade de construção de uma qualquer resposta com dimensão ou escala capaz de contrariar o actual momento ou de o resolver. Apenas se estão a conhecer medidas paliativas, que são aplicadas muito demoradamente e que apenas tentam adormecer a dor, mas que aprofundam a doença de que a Europa padece.

A falta de uma resposta concertada por todos os países membros da união monetária, tem levado a uma crescente divisão dos europeus. Os países do norte vão-se afastando dos países do sul e da orla periférica mediterrânica, que se estão a arrastar economicamente e que estão a ficar cada vez mais financeiramente débeis e fragilizados, empobrecendo, e estão a ficar cada vez mais dependentes dos países financeiramente mais fortes do norte.

Este enfraquecimento sucessivo dos países e dos povos do sul da Europa parece uma consequência da inacção económica e da falta de estratégia comum, mas começam a parecer sobretudo um objectivo em si mesmo.

Conseguimos todos concluir que o bloco do norte da Europa conseguirá mais facilmente impor regras, restrições e condições ao bloco do sul da Europa, quando mais debilitado e financeiramente dependente este se encontrar.

Assim se passa entre os países da nossa Europa, e também assim se passa no seio dos próprios países. Os governos do sul da Europa que estão aplicar esta mesma receita, como é o caso de Portugal, estão a empobrecer os seus povos, debilitando-os, e tornando-os cada vez mais dependentes da vontade e dos ditames dos governos.

Este paulatino empobrecimento, debilidade crescente e dependência gradual torna as populações mais frágeis e sem qualquer capacidade reivindicativa. Assim os governos pensam que terão o caminho livre para aplicarem as suas reformas sem oposição, sem resistência, sem obstáculos.

É um caminho muito perigoso pois há um limite, uma linha a partir da qual um povo oprimido se rebela, e nessa revolta extrema as suas posições, podendo em desespero tomar em mãos medidas radicais e potencialmente beligerantes.

Bem se percebe o porquê da atribuição do Nobel da Paz à União Europeia (EU). É o melhor reconhecimento internacional do papel da UE na estabilização da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial, conseguida sobretudo pelas medidas que permitiram o desenvolvimento económico dos países europeus, atenuando as diferenças entre os seus povos, conquistando a capacidade de acesso a habitação condigna, educação, saúde, segurança social, e bem-estar, assente na solidariedade entre os europeus, cimentando a igualdade, a fraternidade e a liberdade.

Rui Saraiva
Gestor

Publicado In Semanário Grande Porto - In 2 de Novembro de 2012