sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Televisão Pública

Lido com atenção o Relatório do Grupo de Trabalho constituído pelo Governo para a definição do Serviço Público de Televisão fiquei imensamente perplexo por não conseguir distinguir se o dito documento era um exercício que pretendia analisar todo um sector de comunicação social focando-se essencialmente no tema da regulação, se era um documento que se centrava na definição dos instrumentos da política externa portuguesa ou se finalmente era um documento que pretendia definir o modelo de negócio de todo um grupo empresarial, por nós conhecido como RTP. Não se consegue perceber qual o principal destino final das conclusões enunciadas, mas conclui-se facilmente que o Grupo de Trabalho excedeu largamente o âmbito do seu mandato.

Apesar do constante deste Relatório de que muito se falará nos próximos tempos aproveitarei para contribuir com a minha livre opinião.

Um Serviço Público de Televisão limitado apenas a um canal generalista deve servir como instrumento de difusão de informação e de conhecimento, em áreas multidisciplinares, desde as áreas culturais, percorrendo todas as suas vertentes artísticas, passando pelas áreas linguísticas, nunca esquecendo as áreas sociais e humanas, nelas incluindo a fundamental História.

Defende-se a existência de um canal público sem qualquer publicidade comercial, mas que possibilite a disponibilização de publicidade institucional de reconhecido interesse público ou que possibilite a difusão de publicidade de âmbito cultural, que dê assim corpo ao cumprimento do seu fundamental papel.

É essencial assegurar a existência de um serviço de informação público, com espaço devidamente reservado para a difusão de notícias de âmbito ora nacional ora regional, ora mesmo internacional, o que permitirá assegurar que todos os cidadãos residentes no território nacional possam aceder em canal aberto a informações actuais sobre a realidade que os envolve, mas que deve ser equilibrada na ênfase que dá às diversas dimensões atrás referidas, para que não se centre demasiado ora num único espaço territorial, ora numa única temática.  

A escolha de outros conteúdos que incluam ficção portuguesa numa programação que deve ser obrigatoriamente diversa, também deve ser um dos pilares fundamentais do futuro canal.   

Referido isto, não poderei deixar de aduzir alguns comentários adicionais ao Relatório que originou este meu artigo.

Em primeiro lugar, defendendo a efectiva Regulação do Sector de Comunicação Social, e afirmar que sou frontalmente contra a qualquer sistema de autoregulação. Se a Regulação deste sector não cumpriu, na opinião de alguns, se calhar de muitos, o seu verdadeiro papel, não é acabando com o Regulador que se resolve o problema, mas sim na definição das regras de jogo, e no fortalecimento do papel da ERC que impeça os sempre ‘aparentemente mais rentáveis’ comportamentos desviantes.

Em segundo e último lugar, afirmar que concordo absolutamente que um canal público internacional deve também servir de instrumento de política externa, contribuindo para a divulgação além fronteiras da actualidade nacional, mas também servindo como plataforma de aprofundamento do conhecimento entre os vários povos lusófonos, cimentando as nossas inter-relações, e por fim servir de elo fundamental entre as comunidades portuguesas imigradas em várias geografias e continentes. Aproveitar este canal internacional para ajudar na difusão dos produtos portugueses, melhorando a notoriedade das marcas portuguesas, e com tudo isso contribuir para o aumento das nossas exportações. Mas discordo peremptoriamente com a colocação deste canal internacional na tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Só faltava ver os espiões portugueses na RTP Internacional a vender o galo de Barcelos com um Pin da AICEP na lapela….

Rui Saraiva
Gestor


Publicado In Semanário Grande Porto - de 18 de Novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

European Dream

Na segunda metade da década de 70 do século passado, assisti durante a minha infância, primeiro inconscientemente, mas depois já com a normal curiosidade pelo mundo e por tudo o que me rodeava, a conversas, a notícias e a informações múltiplas sobre a Europa. Já na década de 80, durante a minha adolescência conheci mais em detalhe durante os meus estudos qual a origem do projecto europeu, com o fim da Segunda Guerra Mundial e com a assinatura do Tratado do Carvão e do Aço e vivi com enorme esperança a adesão de Portugal e de Espanha à então Comunidade Económica Europeia, e mais tarde assisti maravilhado à queda do muro de Berlim, no final dessa década, e o que isso representava com a oportunidade do alargamento do projecto europeu a todo o Leste da Europa.

Até ao início deste milénio todos os povos europeus sentiam dentro de si uma enorme esperança com os vários passos dados no sentido da concretização de um verdadeiro sonho que a integração europeia significava. Estávamos de facto a construir uma união entre os vários povos europeus, com uma comunhão de objectivos, que tinham em vista impulsionarem o desenvolvimento económico, social e cultural deste nosso ‘velho continente’.

Todos os europeus estavam a desenvolver em conjunto um continente repleto de história, pleno de diversidade manifestada nas diversas línguas faladas e escritas, e com uma variedade cultural muito profunda e com antiguidade milenar.

A nossa Europa era não só para os povos dos outros continentes, mas sobretudo para nós mesmos, símbolo de desenvolvimento e prosperidade, terra de oportunidades e de esperança, exemplo de regras sociais humanistas e solidárias, referência de como se podem ultrapassar diversidades e de como se conseguem secundarizar as sequelas das grandes guerras havidas. Sentíamos a nossa Europa imune a qualquer abalo, para todo o sempre. Um espaço único de liberdade de movimentos e de liberdade de expressão.

Foi esse deslumbramento que nos fez a todos esquecer a necessidade imperiosa de a fortalecermos com os fundamentais alicerces que prevenissem as tão inimagináveis e improváveis graves crises futuras.

Aplicamos os nossos esforços a abolir as barreiras alfandegárias, permitindo a entrada, quase sem regra, de produtos de outras origens, até porque esses eram resultado da deslocalização para outros continentes de indústrias que outrora tinham etiqueta europeia. Aprofundamos o estabelecimento de regras severas, mas que apenas aos europeus se aplicavam, no cumprimento de critérios ambientais. Fomos diligentes na aprovação de leis e normativos que impunham a segurança no trabalho e o respeito pelos direitos dos trabalhadores, mas que noutras latitudes não se aplicavam às empresas europeias que lá se tinham instalado.

Governamos a Europa, lendo o mundo aos nossos olhos, pensando que o nosso semáforo iria regular o comportamento dos demais.
           
É tempo de assumirmos as consequências, mas é tempo de tomarmos as medidas absolutamente necessárias que nos permitam continuar a sonhar.

We all still have an European Dream.

Rui Saraiva
Gestor


Publicado In Semanário Grande Porto - 4 de Novembro de 2011