Perguntamo-nos recorrentemente qual
a dimensão que um Estado deve ter, e quais as funções que um Estado deve
assumir. Atrevemo-nos muitas vezes a dizer, sem conhecimento de causa que temos
um Estado muito gordo, pesado, burocrático. Tendemos a tratar o todo pela parte,
não distinguindo quem faz bem de quem faz mal. Assumimos, sem aprofundamento
maior, que o sector privado, é em geral melhor do que o sector público na
execução das tarefas e que é mais eficiente na utilização dos recursos e mais
eficaz no alcance dos objectivos.
Este debate está na ordem do dia,
não só em Portugal mas em toda a Europa. Países que outrora se encontravam
aparentemente imunes a necessidades de resgates financeiros, hoje estão na
primeira linha da exposição aos implacáveis agentes e intermediários dos
mercados financeiros mundiais.
A crise das dívidas soberanas,
colocou todos, públicos e privados, sob grandes restrições, e abraçados por um
garrote, que não tem conseguido estancar a fuga dos capitais dos investidores,
que antes acreditavam, sem qualquer questionamento, nos ‘ratings’ e nas
avaliações ‘independentes’ de risco efectuadas pelas ‘isentas’ agências de
rating internacionais.
Em quase toda a Europa se reduzem
as prestações sociais, sejam as pensões e os subsídios de desemprego, seja em
valor ou seja através da redução dos prazos máximos da sua atribuição, seja
ainda na exigência de contrapartidas aos beneficiários dessas mesmas prestações.
Assistimos incrédulos, a cada dia
que passa, à redefinição e redução dos deveres do Estado, defendida ‘com unhas
e dentes’ por aqueles que até agora afirmavam exactamente o contrário, e que
com pouca sapiência e sem qualquer critério de racionalidade, a não ser uma
excelente interpretação teatral, digna de um Óscar de Hollywood, vêm dizer que
não cabe ao Estado desempenhar alguns desses papéis.
Muitas vezes o que anda escondido,
de forma clara, porque todos nós vemos mas que poucos ousam em apontar o dedo,
é a tentativa de passagem de atribuições e responsabilidades outrora do Estado
aos grupos privados, mas mantendo a dependência financeira do Estado. É de
facto uma privatização de muitas funções do Estado, em que os privados fazem e
ganham com isso, mas em que o custo se mantém do lado do Estado, sem que haja
redução da factura para os contribuintes, ou sem que haja aumento da qualidade
ou da rapidez na prestação do serviço.
O Estado deve assegurar o que os
privados não querem, porque se querem é porque dará dinheiro, e se dá dinheiro
é porque há procura para os bens ou serviços, ao preço apresentado face à
qualidade oferecida, num equilíbrio entre a oferta e a procura. E os privados
não devem querer apenas o que o Estado já não quer fazer mas que ainda está
disponível a pagar. Os privados que o são de facto não dependem em nada do
Estado.
O Estado deve manter a sua acção
forte na área da Saúde garantindo cuidados de saúde primários, assegurando
serviços de emergência médica e de ambulatório e de tratamento de doenças, deve
ser forte na área da Educação, garantindo a igualdade de acesso e de
oportunidades para todos, e deve ser forte na área da Segurança Social, na
protecção do desemprego e no apoio pós reformas. Mas nas demais áreas deve
ficar reduzido ao papel de regulador, um regulador forte, isento e
independente, com força suficiente para acompanhar as acções da verdadeira
iniciativa privada, impondo-lhe regras de funcionamento e operação, aferindo da
sua real lealdade de competição entre agentes e operadores.
Rui Saraiva
Gestor
Publicado In Semanário Grande Porto - In 10 de Agosto de 2012
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