Defendem uns que a causa de estarmos numa profunda crise financeira mundial se deve ao facto de os governos dos países do ocidente não terem feito o seu trabalho no que respeita às dívidas soberanas, deixando derrapar tempo demasiado os seus deficits orçamentais anuais, acrescida de desorientação demonstrada em muitas declarações infelizes e inoportunas, com consequências nefastas nas expectativas dos agentes que operam nas diversas praças financeiras mundiais. Estes são acérrimos defensores que os mercados são a solução para todos os males do mundo.
Outros defendem que os mercados são cada vez menos perfeitos e que se lhes deve impor uma maior e mais efectiva regulação que consiga acompanhar devidamente os movimentos financeiros mundiais, impondo regras de funcionamento e dotada de meios. Dotar os reguladores dos mercados financeiros dos meios humanos, materiais e tecnológicos que permitam a aplicação de penalidades financeiras pesadas, quando essa regulação se deparar com actividades especulativas, que tenham por objectivo perturbar o efectivo jogo de forças entre a oferta e a procura de activos financeiros, que se deveria naturalmente basear em informação económica e financeira transparente e acessível a todos os agentes.
Em teoria económica a comparação do comportamento dos mercados e dos seus agentes, quando colocamos em confronto o modelo da concorrência perfeita perante o modelo do monopólio, faz-nos pensar nas reais imperfeições que existem nos mercados, quer sejam as que se relacionam com o acesso a informação privilegiada, designado nos mercados financeiros de ‘inside trading’, quer sejam as que se relacionam com as tentativas de manipulação de preço/cotação.
Os puristas dos mercados financeiros defendem que os Estados se devem ausentar e mesmo afastar da sua tentativa de intervenção, porque cabe ao funcionamento dos mercados a natural expulsão dos agentes que não devem continuar a operar. Estes puristas defendem mesmo que os erros cometidos pelos Estados na ‘má gestão’ dos orçamentos soberanos são mais graves porque se trata da ‘má gestão’ dos dinheiros dos contribuintes. E defendem que nos mercados como a gestão é essencialmente feita por cada investidor a culpa pela ocorrência de perdas se circunscreve à má aposta de cada um desses investidores.
Ora devemos relembrar que nos mercados financeiros uma grande parte dos agentes não gere os seus próprios investimentos, mas sim carteiras de investimentos ou importantíssimos ‘fundos de investimento’ que agregam as poupanças de milhares de investidores. São mesmo demasiado recentes os resultados desastrosos de esquemas financeiros fraudulentos ou especulativos, que originaram mesmo a actual crise financeira mundial. Como expoentes máximos apresentam-se: o mais recente caso da UBS, com perdas de 2 mil milhões de euros, provocadas pela actividade fraudulenta de Kweku Adoboli, o muito conhecido caso de Bernard Madoff nos EUA, ainda o caso de Nick Leeson que levou à falência o Barings Bank, em Inglaterra, ou o caso de Jérôme Kerviel da Société Générale em França. Estes exemplos minaram também os alicerces onde assenta a confiança dos investidores.
Os puristas do funcionamento dos mercados respondem, na sua tenaz tentativa de apagar a importância da regulação, que existem também inúmeros exemplos da falta de capacidade dos reguladores dos mercados em assumir o seu papel, e que portanto a sua presença não é assim tão importante. Ora, se em Portugal os casos do corretor Pedro Caldeira, ou mais recentemente os casos dos banqueiros João Rendeiro do BPP ou mesmo de Oliveira e Costa do BPN geram muita desconfiança na forma como os investidores percebem a acção dos reguladores, sejam a nossa CMVM, seja o próprio Banco de Portugal, não devem afastar a ideia de que o problema não se encontra primeiramente na inacção dos ‘polícias dos mercados’, mas sim que o problema se encontra na acção errada dos ‘faltosos’, ou seja, daqueles que geriram mal as aplicações dos investidores que neles confiaram.
Os instrumentos de regulação dos mercados financeiros devem ser melhorados, e os meios destacados para o exercício dessa regulação aprofundados, com vista a um melhor acompanhamento dos agentes e para uma mais efectiva capacidade de fiscalização. O carácter preventivo deve ser marcadamente assumido, mas nunca negligenciado o fundamental papel penalizador quando detectada uma acção que contrarie as regras instituídas.
Estranho é quando tudo funciona bem demais….
A introdução em termos transnacionais de taxas sobre todas as transacções financeiras e a aplicação em todas as praças financeiras mundiais de novos limites ao funcionamento dos mercados financeiros, primários e secundários, de activos financeiros ou de matérias primas, ou mesmo nos mercados de dívida, que incidam sobre as transferências e sobre os movimentos que os caracterizam permitirá dotar de meios financeiros todos os reguladores, com visíveis consequências na melhoria da sua capacidade de acção.
Neste caso, como em muitos outros, melhor será dar um passo atrás, na restrição da liberdade dos movimentos financeiros, para dar, mais tarde, dois passos à frente, restituindo gradualmente mais graus de liberdade à medida que se consiga percepcionar o bom e regular funcionamento desses mesmos mercados.
Rui Saraiva
GestorPublicado no jornal PÚBLICO - In 23 de Setembro de 2011
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